Como adultos e pais responsáveis, assumimos o dever de ensinar às nossas crianças a importância de adquirir e manter um corpo saudável e uma boa aptidão física geral. Faz parte da nossa responsabilidade orientá-las a ingerir as quantidades certas de alimentos, de forma a garantir que recebem os nutrientes e a energia adequados para se sentirem bem e realizarem as suas tarefas diárias, promovendo assim uma boa saúde e uma composição corporal equilibrada.
Também destacamos a importância de manterem hábitos de higiene, como lavar os dentes, tomar banho, escovar o cabelo e lavar as mãos antes das refeições, reduzindo assim o risco de contraírem doenças ou infeções. Igualmente fundamental é incentivá-las a manterem-se fisicamente ativas e a dormirem uma boa noite de sono, pois sabemos o impacto positivo que esses fatores têm não só na saúde e aptidão física, mas também na capacidade de se manterem focadas na escola.
E quando as crianças se recusam a cumprir estas rotinas, cabe-nos, enquanto adultos, tomar a decisão acertada por elas, porque compreendemos o quanto esses hábitos são essenciais para a sua saúde.
Quantas vezes já não ouvimos uma criança recusar-se a comer a sopa ou os legumes do prato? Quantas vezes já não ouvimos protestar por ter de lavar os dentes antes de dormir ou tomar banho? Muitas vezes!
Mas, como pais responsáveis, não deixamos de lhes impor esses cuidados. O mesmo deve acontecer quando falamos de Exercício Físico.
Importância do Exercício Físico
Tudo o que foi referido anteriormente é fundamental para que a criança desenvolva e mantenha um corpo saudável e equilibrado. No entanto, o exercício físico desempenha um papel insubstituível nesse processo.
Entre as diferentes formas de atividade, um programa de treino de força destaca-se como a maneira mais eficaz e eficiente de melhorar todos os aspetos treináveis da habilidade funcional da criança. Além de promover ganhos físicos imediatos, constitui um requisito essencial para que esses benefícios se mantenham a longo prazo.
A habilidade funcional é composta por:
1 – Força e Resistência Muscular
2 – Condicionamento Metabólico e Cardiovascular
3 – Flexibilidade e Mobilidade
4 – Densidade Óssea e do Tecido Conjuntivo
5 – Composição Corporal
As Recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)
É precisamente aqui que surge grande parte da confusão: as recomendações gerais da OMS dão origem a dúvidas como:
- “As crianças já são fisicamente ativas… não será isso suficiente para considerarmos que fazem exercício físico?”
❗ NÃO!
Contrariamente ao que muitas pessoas acreditam, a atividade física geral não se qualifica automaticamente como exercício físico ou treino de força. O simples facto de uma atividade ser intensa não significa que se transforme em exercício estruturado.
Recomendações da OMS – Crianças [5-17 anos]
- A Organização Mundial de Saúde recomenda que crianças e adolescentes realizem, em média, pelo menos 60 minutos por dia de atividade física de intensidade moderada a vigorosa, preferencialmente de caráter aeróbio.
Além disso, atividades aeróbias de intensidade vigorosa, bem como exercícios de fortalecimento muscular e ósseo, devem ser incluídos pelo menos 3 vezes por semana.
Sabemos que crianças e adolescentes que adotam comportamentos sedentários apresentam riscos acrescidos, tais como:
- aumento da gordura corporal,
- diminuição da saúde cardiovascular e metabólica,
- redução da condição física geral,
- impacto negativo no comportamento social,
- problemas relacionados com o sono.
Embora atividades físicas moderadas ou vigorosas tragam benefícios importantes, é fundamental sublinhar que o Exercício Físico vai mais além: trata-se de uma prática especificamente desenhada para estimular, de forma segura, eficiente e eficaz, melhorias consistentes na aptidão física e na habilidade funcional das crianças
☝ O principal objetivo de atividades como correr, nadar, saltar, subir a plataformas ou participar em jogos de recreio é a locomoção e a diversão — não se qualificam como Exercício Físico estruturado.
Essas atividades não estimulam nem trabalham de forma equilibrada, segura, eficiente e eficaz os grupos musculares contra uma resistência externa. Também não proporcionam um estímulo direcionado à função muscular e articular, cujo principal objetivo seja promover melhorias na habilidade funcional. Por isso, revelam-se relativamente ineficazes quando o objetivo é desenvolver força, resistência e capacidade funcional de forma estruturada.
Para atingir esse objetivo, devemos incluir exercícios como agachamentos, elevações, flexões de braços, entre outros, de forma a proporcionar um estímulo adequado e direcionado aos grupos musculares e à função articular.
O Sedentarismo nas crianças
As crianças e os adolescentes devem limitar o tempo dedicado a comportamentos sedentários, especialmente o tempo em frente a ecrãs.
☝ Tanto as crianças como os adolescentes precisam de atividade física e exercício físico, mas é fundamental distinguir claramente estes dois conceitos.
Quando se assume erroneamente que qualquer atividade recreativa pode substituir o exercício físico, a probabilidade de se envolverem num programa de treino estruturado e de atingirem os melhores resultados torna-se consideravelmente baixa.
É também importante perceber que, sempre que tentamos transformar atividades recreativas em exercício físico, retiramos o fator diversão, comprometendo o verdadeiro objetivo da atividade lúdica.
Ao tentar combinar os dois, acabamos com uma “coisa” que é menos divertida e menos eficaz para melhorar a habilidade funcional. Por isso, devemos manter as duas práticas separadas, respeitando o propósito de cada uma.
Atividade Física ≠ Exercício Físico
Quando devemos introduzir o exercício físico nas crianças?
A introdução do exercício físico depende do nível de maturidade da criança. Algumas estarão preparadas mais cedo, outras mais tarde. Tudo depende da sua capacidade de entender e seguir instruções, bem como de possuir maturidade suficiente para levar o processo a sério.
Se houver dúvidas quanto à preparação da criança, vale a pena esperar mais algum tempo. Quando a criança observa-nos a treinar em casa e tenta imitar os movimentos, não devemos desencorajá-la. No entanto, se acharmos que ainda não está preparada para treinar sozinha, não devemos deixá-la sem supervisão, e nunca permitir o uso de pesos livres ou máquinas sem acompanhamento, pois podem causar lesões graves ou até fatais.
O mais importante é conversar com a criança, explicando que só pode utilizar o equipamento na nossa presença. Estar no mesmo espaço não é suficiente! É necessário estar 100% atento ao que ela está a fazer e permitir o uso do equipamento apenas se souber utilizar corretamente.
Que tipo de exercícios devemos ensinar às crianças?
Devemos começar por ensinar exercícios multi-articulares utilizando o peso do corpo, incentivando as crianças a realizá-los com boa amplitude de movimento.
Os exercícios com o peso do corpo são mais fáceis de aprender e ajudam a criar bons hábitos de treino, que podem ser aplicados futuramente quando se introduzirem pesos livres ou equipamentos, caso estejam disponíveis.
Aprender a treinar corretamente com o peso do corpo permite às crianças:
- Melhorar a coordenação motora;
- Desenvolver a eficiência intramuscular e intermuscular;
- Elevar o sentido cinestésico (propriocepção), possibilitando melhor perceção do posicionamento dos segmentos do corpo no espaço.
Além disso, a maioria dos exercícios com o peso do corpo é mais segura, pois, embora exista algum risco de quedas, não há o perigo de deixarem cair cargas sobre si mesmas, e eliminam também levantamentos feitos “com base no ego”.
Outro ponto importante: a maioria das máquinas de musculação é projetada para adultos e muitas vezes não permite ajustar adequadamente os braços de movimento para crianças, devido ao seu tamanho.
Qual a ordem e progresso de ensino dos exercícios?
Nas primeiras semanas e meses de treino, o foco deve estar na aprendizagem de recomendações gerais de segurança e na execução correta dos exercícios com boa técnica. A intensidade só deve ser aumentada após a consolidação da forma correta.
❗ É fundamental que as crianças aprendam que a forma como realizam cada repetição é muito mais importante do que a quantidade de repetições executadas.
❗ Devem aprender apenas alguns exercícios de cada vez, dedicando o tempo necessário para executá-los de forma consciente e correta antes de avançar para novos exercícios.
Possível Ordem de Aprendizagem e Intensidade
As crianças devem ser encorajadas a aumentar a intensidade do exercício apenas quando forem proficientes e capazes de executá-lo com boa forma técnica.
Uma possível sequência de aprendizagem dos exercícios pode ser:
- Agachamento
- Elevações de braços na barra
- Flexões de braços
- Crunch abdominal
- Elevações de calcanhar
- É recomendável começar pelos primeiros três exercícios e ir gradualmente evoluindo para os restantes.
- Inicialmente, pode-se realizar uma série de cada exercício, mas os três primeiros podem ser executados em forma de circuito 3×3.
- Essa abordagem permite praticar a técnica correta, ao mesmo tempo que proporciona estímulo cardiovascular e metabólico.
Concluindo
Inicialmente, é crucial que a criança desenvolva bons hábitos e mantenha consistência no treino, pois estes são os fatores mais importantes. Não há necessidade nem benefício em treinar mais de 3 dias não consecutivos por semana, especialmente após aprender a treinar de forma intensa.
Um treino de força eficaz pode ter duração média de 20 a 30 minutos, tornando viável encaixá-lo no horário da criança. Mesmo com uma agenda ocupada, 1 a 2 treinos por semana podem ser altamente eficazes se realizados corretamente e com nível adequado de intensidade.
Os exercícios devem ser baseados em movimentos básicos:
- Agachamentos, avanços/afundos;
- Empurrar e puxar nos planos horizontal e vertical;
- Abdominais, pranchas, etc.;
- Extensão do tronco.
Procurar realizar uma a três séries destes exercícios, podendo ser em forma de circuito, é suficiente para desenvolver força e habilidade funcional.
É importante lembrar que algumas crianças abraçarão o exercício físico com entusiasmo, enquanto outras podem inicialmente resistir. Independentemente disso, ao concentrar-se em ensinar a forma correta e cultivar o hábito do exercício, é provável que, mais tarde, elas agradeçam pelo cuidado e dedicação recebidos.
Como Incentivar Crianças?
Para combater a resistência ou a recusa de algumas crianças em relação à Actividade e ao Exercício Físico, podemos adotar uma abordagem gradual e positiva. Algumas estratégias eficazes incluem:
- Criar uma rotina: Estabelecer horários regulares para a actividade ou exercíciofísico, tornando-o parte integrante da semana da criança. A consistência ajuda na formação de hábitos.
- Elogiar o esforço: Reconhecer e elogiar os esforços da criança, em vez de se concentrar apenas nos resultados. Isso incentiva a persistência e fortalece a autoconfiança.
- Incentivar a autonomia: Permitir que a criança escolha alguns exercícios que mais gosta, dando-lhe autonomia na decisão. Isso aumenta o sentido de controle e interesse.
- Estabelecer metas realistas: Definir objetivos alcançáveis e celebrar os sucessos, mesmo os mais pequenos. Isso ajuda a criar um senso de conquista e motivação.
- Ser um modelo: Demonstrar uma atitude positiva em relação ao exercício, servindo de exemplo ativo. Quando as crianças observam que valorizamos e desfrutamos do exercício, é mais provável que também o adotem.