As 4 Fases do Jiu-Jitsu

Independentemente do contexto, seja em confronto real ou na sua vertente desportiva, o sistema de luta do Jiu-Jitsu pode ser dividido em 4 fases distintas. Embora seja possível adicionar ou remover algumas fases, estas quatro são geralmente as mais reconhecidas e aceites pela grande maioria dos praticantes:

A compreensão destas 4 fases do sistema de luta torna-se fundamental para assimilarmos a filosofia da arte marcial. Cada fase, cuidadosamente delineada, representa um elemento crucial no nosso desenvolvimento como praticantes, quer seja em confrontos reais ou em contexto desportivo. Estas 4 fases não só refletem a riqueza técnica do Jiu-Jitsu, mas também encapsulam a filosofia subjacente, destacando a importância do conhecimento estratégico e tático. Independentemente da situação, é imperativo ter em mente cada uma destas 4 fases, pois passar por este processo sequencial não só promove o sucesso na aplicação das técnicas, mas também assegura a nossa segurança. 

A compreensão e aplicação consciente das 4 fases do Jiu-Jitsu não só se tornam uma prática, mas também uma filosofia que influencia todos os aspectos da nossa jornada nesta bela arte marcial.

Exploremos agora detalhadamente as 4 fases do sistema de luta do Jiu-Jitsu:

1ª Fase – Controlo da Distância

Um dos princípios fundamentais do Jiu-Jitsu é a gestão da distância, todos nós estamos familiarizados com a ideia de alguém nos tentar agredir com golpes traumáticos, sejam eles socos, pontapés, cabeçadas, joelhadas, cotoveladas ou simplesmente invadir o nosso espaço pessoal na tentativa de um abraço ou um simples aperto de mãos. A habilidade de gerir e mantermos a distância entre nós e outras pessoas é um conceito que internalizamos desde crianças.

Em todas as formas de luta, quem dominar e efetuar a melhor gestão da distância em relação ao seu oponente consegue ditar o rumo do confronto e controlar o nível de dano que pode ser infligido durante a luta.

A importância da gestão da distância:

Um agressor que pretenda desferir golpes traumáticos, precisa de se encontrar a uma distância apropriada para criar a potência necessária no seu ataque. Se este se encontrar longe e fora do nosso alcance, não será capaz de fazer contacto. Por outro lado, se estiver muito próximo e colado a nós, a capacidade de gerar potência nos seus golpes vai diminuir significativamente.

Numa escala de 0 a 10, onde 0 representa nenhuma severidade e 10 representa o máximo grau de severidade do golpe traumático, à medida que um oponente se aproxima e fica junto e colado a nós, o grau de severidade dos seus golpes diminui para valores cada vez mais baixos. Para criar energia cinética e potencial, o nosso oponente necessita de procurar uma distância apropriada para desferir um golpe traumático devastador. 

A gestão eficaz dessa distância é, portanto, uma habilidade crucial na nossa defesa, permitindo-nos não apenas evitar ataques, mas também influenciar a severidade dos golpes que o nosso oponente pode tentar desferir. O entendimento desta dinâmica contribui para uma abordagem mais estratégica e eficaz em várias situações de confronto – seja numa situação de luta real em contexto de defesa pessoal ou numa vertente de Jiu-Jitsu desportivo.

Exemplo: Quando dois pugilistas ficam envolvidos num clinch, agarrando-se mutuamente, a capacidade de desferir golpes traumáticos para um nocaute diminui significativamente. Esta tática torna-se uma estratégia valiosa, especialmente quando ambos os atletas estão exaustos e se recuperam de golpes. Nesses momentos, agarrar o adversário não só reduz a probabilidade de receber golpes poderosos como também cria uma pausa estratégica no combate. É comum nestas situações a intervenção do árbitro para separar os atletas e permitir a continuação do combate de boxe. Sem essa intervenção, a troca eficaz de golpes torna-se impossível, comprometendo a essência do combate desportivo de boxe.

 

As Zonas Verdes

Podemos adotar um sistema de cores semelhante ao utilizado nos sinais de trânsito para referir a gestão da distância entre nós e o nosso oponente. Assim como as luzes dos semáforos indicam diferentes estados, devemos procurar ocupar sempre as “zonas verdes“. Nessas zonas, mantemos uma distância segura, onde o nosso oponente não consegue alcançar-nos com golpes traumáticos. Se o oponente se aproximar, devemos procurar ajustar a nossa posição, dando passos e realizando movimentos no sentido contrário de forma a preservar a nossa segurança. 

No Jiu-Jitsu e noutras formas de luta agarrada, existe uma outra “zona verde” que se revela quando estamos colados ao nosso oponente. Dentro desta proximidade, os golpes perdem energia cinética, tendo menos impacto e menos propensos a causar danos significativos. Este processo envolve ultrapassar rapidamente a “zona vermelha (onde os golpes são mais perigosos) até alcançarmos a proximidade desejada. 

É precisamente nesta “zona verde” que temos oportunidade de aplicar as nossas técnicas de Jiu-Jitsu. Este sistema de cores proporciona uma abordagem visual e tátil para a gestão da distância, contribuindo para uma prática eficiente e segura.

A Zona Vermelha

Entre as zonas verdes, encontra-se uma “zona vermelha” que representa o perigo iminente. É precisamente nessa área crítica que o nosso oponente pode gerar potência suficiente para nos nocautear ou causar danos incapacitantes. O nosso objetivo é ultrapassar com rapidez e segurança esta zona vermelha, movendo-nos para uma distância onde possamos agarrar e controlar o nosso oponente.

A partir do momento que nos encontramos agarrados e envolvidos com o nosso oponente vamos ter que responder a um par de questões pertinentes: 

    1. Qual a técnica de jiu-jitsu que posso ou devo utilizar contra o meu agressor? 
    2. E quais as técnicas que o meu oponente pode utilizar contra mim?

 

A amplitude das técnicas disponíveis no Jiu-Jitsu é verdadeiramente impressionante, e a chave para estarmos preparados para reagir a uma variedade massiva de situações reside na compreensão plena do princípio da distância. O espaço entre nós e o nosso oponente torna-se o elemento determinante, ditando as técnicas que podem ser executadas por ambas as partes e identificando o momento oportuno para a sua aplicação (timing).

É a percepção e o controlo habilidoso dessa distância que abre a porta para uma vasta gama de técnicas disponíveis no jiu-jitsu. Ao entendermos como gerir e ajustar essa distância de forma estratégica, podemos adaptar as nossas táticas de acordo com as circunstâncias, aproveitando oportunidades específicas para aplicar as técnicas mais seguras, eficazes e eficientes. 

A maestria no princípio da distância não apenas amplia o nosso repertório técnico, mas também aprimora a nossa capacidade de resposta diante de uma diversidade de cenários.

Resumindo 

  • É crucial dominar a distância entre nós e o nosso oponente.
  • Quem melhor gerir a distância determinará o grau de severidade dos golpes. 
  • Num confronto real, devemos procurar estar nas zonas verdes: longe, onde o agressor não nos consegue alcançar, ou colados, diminuindo a sua capacidade de criar golpes incapacitantes. 
  • A rápida transição através da zona vermelha é essencial para alcançar o clinch, onde podemos agarrar e dominar o agressor.

 

2ª Fase – Levar a Luta Para o Chão 

No jiu-jitsu a luta culmina maioritariamente no solo, embora em situações de confronto real, seja possível aplicar técnicas de finalização em pé, como a guilhotina, mata-leão, estrangulamentos, chaves de articulação ou até mesmo uma projeção impactante. Quando confrontados com um oponente fisicamente maior e mais forte, a estratégia predominante será levá-lo para o solo.

Importa salientar, embora possamos cair ou optar por levar a luta para o chão, temos a competência para nos defender eficazmente a partir dessa posição e, se necessário, a capacidade de nos levantar com segurança para fugir de um agressor. Continuar a luta no solo pode não ser vantajoso, sobretudo se existir a possibilidade de sermos alvo de ataques por parte de vários agressores – tal dependerá das circunstâncias específicas.

Porquê levar a luta para o chão? 

Pelo simples facto de existir uma vantagem mecânica que nos permite controlar de forma mais segura, eficaz e eficiente o nosso oponente no chão. O chão permite-nos anular a sua capacidade de gerar energia cinética e criar movimentos explosivos e perigosos! 

À medida que nos vamos aproximando do chão, passando de uma posição de pé, para joelhos e deitados vamos reduzindo drasticamente a nossa capacidade de explosão.

Jan Železný a lançar o dardo.

Exemplo: Vamos analisar o Lançamento do Dardo, uma das modalidades mais explosivas do atletismo. O recorde mundial continua a pertencer ao checo Jan Železný, com 98,48 metros estabelecidos em 1996. Se Jan estivesse restrito a lançar o dardo sem o impulso das pernas, a distância percorrida seria menor. Se fosse obrigado a realizar o lançamento a partir da posição de joelhos, a distância reduzir-se-ia significativamente, e se fosse realizado deitado, ainda mais.

À medida que restringimos a cadeia cinética e nos aproximamos do solo, observamos uma redução significativa na capacidade de gerar potência. Durante uma luta, um dos fatores mais perigosos é o nosso oponente executar movimentos dinâmicos e criar força explosiva. 

Ao levar a luta para o chão, alcançamos maior segurança e proteção, conseguindo diminuir significativamente a sua capacidade de explosão. Esta abordagem revela-se mais eficaz do que tentar trocar golpes traumáticos em pé, especialmente quando confrontados com alguém fisicamente maior e mais forte. Este princípio alinha-se com a gestão da distância na luta, onde estrategicamente optamos por um ambiente que reduza as capacidades explosivas do adversário, promovendo a nossa defesa eficiente.

Resumindo: 

  • A luta no Jiu-Jitsu culmina principalmente no solo. 
  • Técnicas de finalização em pé podem ser aplicáveis em situações de confronto real. 
  • A estratégia predominante será: na impossibilidade de fugir, procurar encurtar a distância e levar o agressor ao solo. 
  • Possuímos a capacidade de defesa eficaz no solo, com opção de nos levantar em segurança e escapar no caso de cairmos por baixo do agressor.
  • Continuar a luta no solo pode não ser vantajoso, dado o risco de múltiplos ataques por vários agressores. 
  • Conseguimos controlar de forma mais segura, eficaz e eficiente o nosso oponente no solo.
  • No solo, anulamos a capacidade do nosso oponente de criar energia cinética e movimentos explosivos.

 

3ª Fase – Assumir Posição de Controlo 

Depois de reduzirmos a distância até ao nosso oponente e conseguirmos levar a luta para o solo, a próxima fase consistirá em controlá-lo e mantê-lo no solo. Durante esta etapa, iremos transitar por um conjunto hierárquico de posições dominantes, incluindo o domínio lateral (100kg), joelho na barriga e montada e/ou costas. 

Contudo, para alcançar estas posições, é necessário ultrapassar dois elementos perigosos do nosso agressor/adversário, nomeadamente as suas pernas/guarda. As pernas representam um perigo significativo, pois mesmo de costas no chão ou sentados, o nosso oponente consegue ainda executar movimentos explosivos com elas e aplicar golpes traumáticos. Mesmo encontrando-se no chão, o nosso agressor pode realizar golpes devastadores e até mesmo nos nocautear.

Golpe traumático a partir do chão durante luta de MMA.. 

Os praticantes de jiu-jitsu vão também utilizar as pernas como uma guarda, que pode assumir uma função defensiva e ofensiva simultaneamente. Podendo aplicar várias técnicas para finalizar com estrangulamentos, chaves de articulação ou nos raspar e acabar em posições de domínio mais favoráveis. Por isso, torna-se crucial transpor a linha das pernas ou guarda do nosso adversário para dominá-lo de forma segura e eficaz.

 Estrangulamento Triângulo com Chave de Braço durante jiu-jitsu desportivo. 

Resumindo: 

  • Reduzir a distância, dominar o oponente. 
  • Levar a luta para o chão.
  • Controlar, e manter a luta no chão.
  • Passar as pernas / guarda. 
  • Trabalhar um conjunto de posições e hierarquia de domínio. 
  • Preparar o ataque final para finalizar a luta.

 

4ª Fase – Finalizar a Luta 

Esta representa a última fase do processo, alcançada após vencermos com sucesso as 3 fases anteriores: gestão da distância para garantir a captura e controlo do nosso oponente, levá-lo para o chão, ultrapassar as suas pernas e transitar por um conjunto hierárquico de posições de controlo. Neste ponto, finalizamos a luta ou forçamos o oponente a reconhecer a derrota através de uma submissão.

Diversos métodos podem ser empregados para finalizar a luta ou obrigar o nosso oponente a admitir a sua submissão. Em situações de confronto real, golpes traumáticos podem ser utilizados para nocautear o nosso agressor, ou podemos explorar oportunidades em que ele exponha membros ou pescoço, permitindo a aplicação de estrangulamentos e chaves de articulação. Em contextos desportivos, a ênfase vai recair sobre estrangulamentos e chaves de articulação, uma vez que a utilização de golpes traumáticos não é permitida.

Uma abordagem altamente eficaz para encerrar a luta é a aplicação de múltiplos ataques, forçando o nosso oponente a responder a diversas tentativas e, eventualmente, oferecendo a finalização desejada. Por exemplo, podemos simular um estrangulamento no pescoço, induzindo o oponente a expor o seu braço, permitindo-nos concluir a luta com uma chave de braço. 

Em contextos desportivos, onde ambos os praticantes possuem conhecimento de jiu-jitsu, encaixar uma finalização torna-se mais desafiante, pois ambos estão cientes dos ataques e defesas, transformando-se numa espécie de jogo de xadrez humano. A vitória recair sobre aquele que possuir um nível técnico mais elevado, mais velocidade, força, inteligência e astúcia.

Num confronto real contra alguém sem conhecimento de jiu-jitsu, torna-se mais fácil finalizar a luta. O agressor, sem conhecimento técnico, tende a expor-se ao atacar e carece de conhecimento para se defender de forma eficaz. Além disso, a capacidade de desferir golpes traumáticos a partir de posições dominantes pode forçar o agressor a expor membros ou até mesmo a oferecer as costas. Existe também uma grande probabilidade de derrotar o agressor aplicando uma queda ou projecção contra o chão, pois cair no alcatrão ou passeio da rua pode ser bastante incapacitante. 

Um indivíduo sem conhecimento de luta ficará à mercê do praticante da arte marcial, passando uma sensação significativa de vulnerabilidade. O sentimento é como estar no meio do oceano à noite, sem saber nadar e rodeado por tubarões. 

 

Representação gráfica das 4 fases do Jiu-Jitsu de forma a facilitar o seu entendimento: