O Treino que Quase Ninguém Faz… Mas Todos Deviam

Pescoço – A zona ignorada

Há cerca de 12 anos, comecei a incorporar exercícios específicos para a região do pescoço na minha rotina de treino  e, desde então, tenho tentado convencer outras pessoas a fazerem o mesmo.

O pescoço é, provavelmente, uma das zonas mais negligenciadas do corpo humano. É comum ver atletas com boa condição física e massa muscular considerável apresentarem um pescoço subdesenvolvido — o típico “pescoço de galinha”.

Impressiona-me a quantidade de pessoas que simplesmente ignora o treino do pescoço. Muitas vezes, gastam tempo e energia a fazer inúmeros exercícios para outros grupos musculares como bíceps e tríceps, focando-se em variações mínimas e detalhes técnicos — que, na maioria dos casos, trazem ganhos insignificantes. Curiosamente, esses músculos já são trabalhados de forma eficaz em exercícios compostos, que incluam movimentos de empurrar e puxar, tanto no plano horizontal como no vertical.

Aliás, convém lembrar que, no qu diz respeito a exercício físico –  mais nem sempre significa melhor. Quando exageramos no volume de trabalho para um determinado grupo muscular, ultrapassamos o estímulo necessário para gerar adaptações — seja ao nível da força, da resistência ou da hipertrofia muscular. A partir daí, estamos apenas a desperdiçar energia e a consumir recursos que o corpo poderia usar de forma mais eficiente. Pior ainda, podemos atrasar a recuperação e comprometer o progresso global.

Região do Pescoço

A região do pescoço é extremamente importante — no fundo, é ela que mantém a nossa cabeça conectada ao resto do corpo.

Ter um pescoço forte é essencial para garantir estabilidade, segurança e até sobrevivência em muitos desportos de contacto, como Boxe, Kickboxing, Rugby, Futebol Americano, Andebol, Basquetebol, Lacrosse, Futsal, Polo Aquático, entre outros. O mesmo se aplica às artes marciais, como Judo, Jiu-Jitsu, Karate, Full Contact, Sambo, Luta Livre, entre outras.

Sendo um sistema articular altamente móvel, o pescoço necessita de força para se manter estável e funcional — especialmente sob impacto ou pressão externa. Uma musculatura da região cervical bem desenvolvida ajuda a reduzir o risco de lesões, melhorar o controlo corporal e aumentar a capacidade de resistência em situações exigentes, como clinches, quedas, estrangulamentos ou colisões.

Musculatura – Região Pescoço

Mas mesmo quem não pratica desportos de contacto ou artes marciais pode beneficiar significativamente do treino de resistência para a região do pescoço e cervical – O pescoço desempenha um papel fundamental na nossa postura, na estabilização da cabeça e até no nosso equilíbrio geral.

Uma musculatura cervical forte contribui para um alinhamento postural mais eficiente, ajuda a prevenir dores e tensões acumuladas (muito comuns em quem passa horas ao computador ou ao telemóvel) e melhora a coordenação e a perceção espacial — fatores essenciais no dia a dia, seja a treinar ou simplesmente a viver com mais qualidade.

 

Pecoço – Estética e Aparência

Mesmo em termos de aparência, treinar o pescoço faz todo o sentido. A maioria de nós não anda de tronco nu ou com camisolas de alças a mostrar os músculos. Mas o pescoço? Está quase sempre à vista – a não ser, claro, que gostes de vestir golas altas.

Quando estamos a conversar cara a cara com alguém, o pescoço está sempre dentro do campo de visão periférica — e transmite, mesmo que inconscientemente, uma imagem do nosso nível de desenvolvimento físico geral. Um pescoço fino e fraco dá imediatamente a ideia de que o resto do corpo, mesmo que coberto pela roupa, não esteja muito trabalhado. Por outro lado, um pescoço forte e bem desenvolvido transmite robustez, força e equilíbrio corporal.

Basta olhar para ilustrações de banda desenhada, posters de filmes ou videojogos: sempre que se quer representar um super-herói ou uma criatura poderosa, o artista desenha um pescoço largo e trapézios massivos. É uma representação visual imediata de força. E o melhor de tudo? É algo que qualquer pessoa pode trabalhar — com o treino certo.

O pescoço não é importante apenas por questões de funcionalidade e segurança — também tem um papel fundamental na estética e na aparência física geral.

Então, porque razão não investir uns minutos por semana a treiná-lo?

Não estamos a falar de algo que vai consumir muito tempo da tua rotina, nem precisas de equipamento sofisticado para começar. Muitos usam a desculpa de que o ginásio não tem uma máquina específica para o pescoço, ou que não têm um arnês de cabeça… mas a verdade é que isso não é necessário. Existem várias formas simples, eficazes e seguras de trabalhar a musculatura cervical com o próprio peso corporal ou com uma toalha, bandas elásticas ou até com resistência manual.

É uma questão de consistência, não de complexidade.

Na verdade, não precisamos de qualquer equipamento específico para treinar o pescoço de forma eficaz, segura e eficiente. Nem sequer é obrigatório realizar movimentos com carga externa. Basta contrair os músculos contra uma resistência ou objeto imóvel, durante um determinado intervalo de tempo e com uma intensidade adequada — e isso já é suficiente para estimular ganhos de força e estabilidade.

Se for para ser honesto, se eu fosse responsável por um ginásio comercial, também pensaria duas vezes antes de disponibilizar máquinas específicas para o treino do pescoço. Basta olhar para a forma desleixada, descontrolada e por vezes perigosa como muita gente executa os exercícios mais simples… Agora imagina isso aplicado à região cervical – o risco de lesão seria elevadíssimo!

É claro que todos os grupos musculares devem ser treinados com atenção ao posicionamento, ao alinhamento corporal e à execução técnica — mas no caso do pescoço, esse cuidado tem de ser redobrado. Estamos a falar de uma zona delicada, e uma lesão aqui pode ter consequências bem mais sérias do que, por exemplo, uma distensão no bíceps ou uma dor lombar ligeira.

Mais sobre regras de segurança em: Recomendações Gerais de Segurança

Exercícios Específicos – Pescoço

Os exercícios podem ser realizados simplesmente de forma estática com exercícios isométricos, onde não vai ocorrer movimento.

Exemplo – Trabalho Isométrico: contra uma mesa, contra o chão, um sofá, cadeira ou utilizando uma simples toalha.

Exemplo – Trabalho Isométrico.

O mesmo pode ser feito utilizando um banco do ginásio, assumindo a posição de decúbito dorsal e contrair a parte de trás da cabeça contra o banco almofadado, realizando a extensão do pescoço. E de seguida ficando de joelhos e contrair a testa contra o banco (aconselho utilizar uma toalha se fizerem isso num ginásio comercial).

Contrações Isométricas – Timed Static Contractions (TSC)

Uma forma segura e eficaz de treinar a região cervical é através de contrações isométricas — também conhecidas como Timed Static Contractions (TSC). Este método não exige movimento, carga externa ou equipamento específico, apenas a aplicação de força contra uma resistência imóvel (como a palma da mão, uma toalha presa ou uma parede).

A estrutura base do exercício segue um protocolo de 90 segundos contínuos, dividido em três fases:

  • 0–30 segundos: Começamos com uma contração leve, aumentando progressivamente até atingir cerca de 50% do nosso esforço máximo. O foco é encontrar um ponto de tensão moderada, onde sentimos os músculos a ativar sem qualquer desconforto.
  • 30–60 segundos: Subimos gradualmente o nível de esforço até aproximadamente 70% da força máxima. Aqui já estamos a entrar numa zona de esforço elevado, mas ainda controlado.
  • 60–90 segundos: Na última fase, elevamos novamente o esforço com cautela, até atingirmos o máximo esforço que conseguimos aplicar com segurança — perto dos 100%. É importante manter o controlo da respiração e nunca forçar ao ponto de dor ou tensão excessiva.

Este tipo de trabalho é extremamente eficaz para desenvolver força, resistência e estabilidade muscular, sobretudo em zonas sensíveis como o pescoço. A ausência de movimento dinâmico também reduz significativamente o risco de lesão, desde que a técnica e a progressão do esforço sejam respeitadas.

Referências e Base Teórica

O protocolo Timed Static Contractions (TSC) tem vindo a ser explorado por vários especialistas na área do treino de força. Entre os nomes mais relevantes destacam-se:

    • Drew Baye, autor de Isometrics: Static Holds and Static Contraction Training, onde aborda os benefícios do treino isométrico para força, estabilidade e reabilitação.
    • Ken Hutchins, criador do conceito SuperSlow e autor do documento Timed Static Contraction, no qual detalha os princípios e aplicação prática deste método em diversos contextos, incluindo reabilitação e treino de alta eficiência.
    • Steve Maxwell, treinador de fitness, educador físico e instrutor de Jiu-Jitsu. Reconhecido como um dos 100 melhores treinadores dos Estados Unidos pela Men’s Journal, Maxwell é uma referência para quem pratica artes marciais e valoriza o treino funcional e seguro — incluindo exercícios isométricos para o pescoço e estabilidade cervical.

Estes métodos destacam-se não só pela sua eficácia, mas também pela simplicidade e segurança — ideais para zonas anatómicas sensíveis como a cervical.

Importante – Sinais de Alerta Durante o Exercício
    • Durante a execução dos exercícios para o pescoço, se começares a sentir desconforto intenso, dor de cabeça ou tonturas, diminui imediatamente o esforço de contração. É fundamental não agravar a situação ou causar uma dor de cabeça induzida pelo treino.
    • Mantém esse nível reduzido de esforço durante os últimos 30 segundos da contração, até conseguires terminar com segurança.
    • Ouvir o corpo e respeitar os seus limites é essencial para um treino eficaz e, acima de tudo, seguro.

Quantas Séries?

Para treinar o pescoço de forma eficiente, basta realizar 90 segundos para a extensão do pescoço e outros 90 segundos para a flexão — está feito, meus amigos.

Se o nível de intensidade das contrações for elevado durante esses 90 segundos, estaremos a fornecer o estímulo tencional e metabólico necessário para promover adaptações como hipertrofia e aumento de volume muscular. Curiosamente, essas adaptações podem ser alcançadas com pouco ou nenhum trabalho mecânico, especialmente quando utilizamos exercícios isométricos, nos quais estamos a tentar superar uma resistência fixa.

Na prática, apenas uma série por exercício é suficiente, desde que seja feita com um alto nível de esforço e durante um intervalo de tempo adequado. A maioria dos estudos e pesquisas mostra que não há benefícios significativos ao fazer mais séries para um mesmo grupo muscular quando a intensidade é elevada.

Portanto, para cada grupo muscular, realizar 1 a 2 exercícios, com uma série por exercício, é suficiente, desde que a série tenha uma duração adequada — e até mesmo séries mais curtas (≤ 60 segundos) apresentam bons resultados, desde que o esforço seja intenso e honesto.


Estudos Científicos Relevantes
    1. Krieger, J. W. (2010). Single vs. Multiple Sets of Resistance Exercise for Muscle Hypertrophy: A Meta-Analysis. Journal of Strength and Conditioning Research, 24(4), 1150–1159.
      • Este estudo conclui que uma única série realizada até à falha muscular pode ser tão eficaz quanto múltiplas séries para promover hipertrofia muscular, desde que a intensidade seja elevada.
    2. Schoenfeld, B. J., Ogborn, D., & Krieger, J. W. (2017). Dose-Response Relationship Between Weekly Resistance Training Volume and Increases in Muscle Mass: A Systematic Review and Meta-Analysis. Journal of Sports Sciences, 35(11), 1073–1082.
      • A pesquisa indica que, para indivíduos treinados, volumes mais baixos de treino (como uma série por exercício) podem ser eficazes, desde que a intensidade seja suficientemente alta.
    3. Ratamess, N. A., et al. (2005). The Effects of Rest Interval Length on Resistance Exercise Performance and Muscle Hypertrophy. Journal of Strength and Conditioning Research, 19(1), 1–10.
      • Este estudo sugere que intervalos de descanso curtos (30–60 segundos) entre séries podem ser eficazes para promover hipertrofia, desde que a intensidade seja alta.

A evidência científica apoia a ideia de que uma única série por exercício, realizada com alta intensidade e durante um intervalo de tempo adequado, pode ser suficiente para promover adaptações musculares, especialmente em indivíduos com experiência prévia de treino. No entanto, é importante considerar que a eficácia pode variar dependendo de fatores individuais, como nível de treinamento, recuperação e objetivos específicos.


3 Minutos por dia…

A maioria das pessoas nunca realizou exercícios específicos para a região do pescoço — e muitas nem sabem explicar porquê. Entre os meus clientes e alunos que já tinham feito treino personalizado anteriormente, nenhum tinha trabalhado o pescoço durante as suas sessões de treino.

A minha conclusão? Os seus personal trainers simplesmente nunca consideraram o pescoço um grupo muscular importante.

No ginásio, é extremamente raro ver alguém a treinar especificamente o pescoço. As únicas exceções que encontro são praticantes de artes marciais e desportos de contacto, como o Jiu-Jitsu, Judo e luta Greco-Romana — e, muitas vezes, nem preciso de perguntar, basta olhar para as orelhas 🙂

É algo simples, que não ocupa muito tempo — bastam 3 minutos por sessão para trabalhar eficazmente os músculos do pescoço.

Não há qualquer desculpa válida para não incluir exercícios para o pescoço na tua rotina:

    • Não precisas de equipamento especial;
    • Podes fazer os exercícios num simples banco, ou até mesmo no chão;
    • Uma simples toalha é suficiente para garantir resistência segura e eficaz.

Trabalho de Resistência Manual

Uma das opções que utilizo frequentemente com os meus clientes é o trabalho de resistência manual. Para a maioria das pessoas que treino, considero esta uma das formas mais seguras e eficazes de trabalhar os músculos do pescoço de forma dinâmica.

Sessão PT Indoor – Trabalho de Resistência Manual.

O mais importante neste exercício é garantir um alinhamento natural da coluna vertebral e da zona lombar. Aplicar a força de forma gradual, até alcançar o nível desejado de resistência. As repetições devem ser realizadas com uma cadência lenta, levando entre 4 a 8 segundos para completar cada fase — tanto a concêntrica como a excêntrica do movimento. É fundamental evitar movimentos bruscos e procurar manter uma tensão relativamente constante ao longo de toda a amplitude do movimento.


Basta realizar flexão e extensão no plano sagital?

Sim, é suficiente executar apenas exercícios de flexão e extensão no plano sagital. Não é obrigatório realizar flexão lateral, pois existe uma grande sobreposição muscular entre estes movimentos.

Os músculos ativados durante a flexão e extensão também são recrutados na flexão lateral, embora com padrões de ativação ligeiramente diferentes e em conjunto com outros músculos. Portanto, ao focar na flexão e extensão, estaremos a trabalhar eficazmente a maior parte da musculatura do pescoço.


O Que Não Fazer!

Já vi muitos exercícios e tentativas falhadas para trabalhar o pescoço. De forma geral, devemos evitar:

  • Movimentos rápidos e explosivos, que podem causar lesões;
  • Copiar outras atividades físicas – gestos técnicos específicos de uma modalidade desportiva – enquanto aplicamos carga externa no pescoço;
  • A execução das pontes sobre o pescoço — muito comum entre praticantes de luta — que, embora não sejam perigosas se feitas corretamente, podem causar problemas e não são a forma mais segura de fortalecer o pescoço;
  • Começar com cargas muito elevadas. Para quem nunca fez exercícios específicos para o pescoço, é essencial começar com cargas moderadas ou com exercícios isométricos.

 

Se fizerem os exercícios de flexão e extensão do pescoço num banco, apoiando apenas os ombros, vão rapidamente perceber que, no início, não é necessário usar muita carga para estimular eficazmente o vosso pescoço.

Exemplos – Trabalho Isométrico e Resistência Manual.

 

Escolha de Exercícios – Rotina de Treino

Quando selecionamos exercícios para a nossa rotina de treino, devemos optar pelos melhores movimentos para cada grupo muscular, tendo em conta o equipamento disponível.

A escolha varia de pessoa para pessoa, dependendo do seu histórico de saúde, lesões, nível de capacidade física, experiência de treino e objetivos pessoais. O ideal é incluir exercícios que trabalhem todo o corpo, desde o pescoço até aos calcanhares.

Depois de elaborarmos a nossa lista de exercícios, devemos perguntar para cada um deles:

  • Existe um exercício mais eficaz para este grupo muscular?
  • Existe um exercício mais seguro para este grupo muscular?
  • Existe um exercício mais eficiente para este grupo muscular?

Responder a estas perguntas ajuda-nos a otimizar o treino, garantindo melhores resultados e mais seguros.

E é essencial fazer estas 3 perguntas para cada exercício da tua lista — desde o pescoço até aos calcanhares. Fica apenas com os exercícios mais seguros, eficazes e eficientes, e para de copiar o que a maioria das pessoas faz no ginásio, porque, infelizmente, muitos nem sabem o que estão a fazer, incluindo alguns treinadores e personal trainers.

Lembra-te, a tua vida, a tua saúde e o teu tempo são demasiado valiosos para aceitar qualquer programa, exercício, método ou modalidade de treino que não seja o melhor para ti!

 

Concluindo

Não existe uma única boa razão para não incorporarmos exercícios que trabalhem diretamente os músculos do pescoço na nossa rotina de treino. Aliás, é um dos poucos grupos musculares que quase toda a gente consegue trabalhar, independentemente de outras limitações ou condições físicas.

Até uma pessoa tetraplégica, no limite mais baixo do espectro de aptidão física, pode realizar exercícios para a região do pescoço. Pode fazê-lo deitado de barriga para cima ou para baixo num banco, realizando contrações isométricas com a assistência de alguém, ou — ainda melhor — através de trabalho de resistência manual com a ajuda de outra pessoa.

Neste caso extremo, onde o único movimento possível é mexer o pescoço, torna-se ainda mais importante fortalecer toda essa região para garantir mobilidade, funcionalidade e prevenir lesões.

Este exemplo é extremo, mas a lógica aplica-se a todas as pessoas, independentemente das suas condições físicas ou limitações de mobilidade.

Devemos focar-nos no que podemos fazer, e não no que não podemos.